O processo de reabilitação de Aristides de Sousa Mendes foi longo. Israel foi o primeiro país a reconhecer o gesto do Cônsul, atribuindo-lhe, a título póstumo, a Medalha de Ouro dos “Justos”, do Yad Vashem, em 1967. Nesse ano, foi também plantada uma árvore, em sua memória, na Alameda dos Justos, em Jerusalém. Portugal manifestou-se durante a segunda metade da década de 1980. Em, 1986, em Cabanas de Viriato, terra natal de Aristides de Sousa Mendes, é criada uma “Comissão de Homenagem ao Cônsul Aristides de Sousa Mendes”. Em Maio do ano seguinte, em Washington, na Embaixada de Portugal, o Presidente da República, Mário Soares, entrega à família Sousa Mendes a Ordem da Liberdade, no grau oficial. Em 1988, a Assembleia da República, sob proposta do Deputado Jaime Gama, aprova, por unanimidade, a reintegração do Cônsul na Carreira Diplomática, com promoção a Embaixador.
Outras homenagens se seguiram. Em 1990, em Montreal, no Canadá, deu-se o nome de Aristides de Sousa Mendes a um parque no centro da cidade. Três anos depois, a RTP 2, exibiu o documentário “O Cônsul injustiçado”, de Diana Andringa, Teresa Olga e Fátima Cavaco, mais tarde, também exibido pelo canal francês “France 3”. Em Maio de 1994, foi plantada, em Israel uma floresta de 10.000 árvores com o seu nome no Deserto do Negev. Em Bordéus, nesse mesmo mês, no Jardim da Resistência, o Presidente da República, Mário Soares, descerra um busto de Aristides de Sousa Mendes, oferecido pela comunidade portuguesa residente na cidade, e uma placa comemorativa no edifício do antigo Consulado de Portugal. O nome de Aristides de Sousa Mendes é, ainda, atribuído a uma rua e a um liceu de Bordéus. Outras ruas, noutros países, incluindo Portugal, viriam a partilhar o mesmo nome. Em Março de 1995, a Fundação Pro-Dignitate promove uma Homenagem Nacional a Aristides de Sousa Mendes. Nessa cerimónia o Cônsul é condecorado postumamente com a grande Cruz da Ordem de Cristo. Nesse mesmo mês, o Metropolitano de Lisboa associa-se à Homenagem, com uma medalha de João Cutileiro colocada na Estação do Parque, dedicada aos Direitos do Homem. Três anos depois, em Novembro, também o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, homenageia o Cônsul. No final da década de 90, no Brasil, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro atribui-lhe a Condecoração da Cidade. Em Portugal, o Presidente da República, Jorge Sampaio, desloca-se a Cabanas de Viriato, para homenagem a Sousa Mendes. Aí, nesse mesmo ano, junto ao jazigo onde repousam os restos mortais de Aristides de Sousa Mendes, D. António Monteiro, bispo de Viseu, pede publicamente perdão, em nome da hierarquia da igreja, pela recusa de auxílio a Aristides de Sousa Mendes e sua família, quando estes a solicitaram. No início do ano 2000, foi constituída a Fundação Aristides de Sousa Mendes, tendo-lhe sido doada a quantia de 50 mil contos pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama. Nos dias 2 e 3 de Abril do mesmo ano, decorreu a II Homenagem Nacional a Aristides de Sousa Mendes promovida pela Fundação Pro-Dignitate. Em simultâneo, inaugura-se a exposição “VISAS FOR LIFE” nas Nações Unidas, em Nova Iorque. Em Setembro, outra exposição, intitulada “Vidas poupadas: A acção de três diplomatas portugueses na II Guerra Mundial” foi inaugurada em Newark, promovida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros – Instituto Diplomático.
Em Junho de 2004 comemorou-se, em Portugal, o quinquagésimo aniversário do falecimento de Aristides de Sousa Mendes.
Em 2005, inaugurou-se a exposição na Biblioteca Nacional resultante da colaboração entre a Biblioteca Nacional, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Fundação Aristides de Sousa Mendes e, em Paris, a Unesco, dedicou dois Concertos à Memória de Aristides de Sousa Mendes tendo entregue uma parte da receita à Dra. Maria Barroso, Presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes.
in «Fundação Aristides de Sousa Mendes»
por Jorge Almeida Fernandes no «Público», 09.08.2007
O historiador Raul Hilberg fez uma revolução na historiografia do Holocausto. Foi o primeiro a narrá-lo como um processo, reconstituindo minuciosamente as suas etapas, a máquina burocrática e as operações de extermínio. Ignorado durante 20 anos, morre como "ícone"
O historiador americano Raul Hilberg, 81 anos, morreu sábado num hospital de Vermont, de cancro de pulmão. A sua vida roda em torno de uma decisão tomada aos 22 anos: estudar o Holocausto como "acontecimento histórico". A sua investigação culminou num imenso livro concluído em 1955 e apenas publicado em 1961, The Destruction of the European Jews. Entre as dezenas de milhares de estudos sobre o genocídio, este marca um corte - há um antes e um depois. Quase ignorado durante 20 anos, Hilberg morre como "ícone", celebrado como autor de uma "revolução historiográfica" (Nicolas Weill). Resumiu o seu programa numa frase: "Decidi interessar-me pelos executores alemães. A destruição dos judeus era uma realidade alemã. Foi posta em marcha nos gabinetes alemães, numa cultura alemã, e eu queria compreender como." Decide, portanto, partir do ponto de vista dos "executores" e não das vítimas. Recusou, enquanto historiador, utilizar os termos Holocausto ou Shoah, o primeiro pela sua carga religiosa (sacrifício pelo fogo), o segundo pela identificação com as vítimas. "É o executor quem tem a visão de conjunto, não a vítima." Trabalhando uma massa incalculável de documentos, narrou o Holocausto como "um processo", composto por sucessivas etapas, reconstituindo exaustivamente a máquina burocrática e as operações de extermínio - a definição das vítimas por decreto, a expropriação, a concentração, as matanças por comandos móveis, a deportação, os campos de extermínio. "A destruição dos judeus era um fenómeno sem precedentes" e por isso, antes de perguntar "porquê", era necessário estudar a sua lógica e os mecanismos. É a partir daqui que se pode pensar, na plenitude, a dimensão ética da catástrofe. Além de A Destruição, Hilberg deixa-nos outras obras importantes, designadamente Perpretators Victims Bystanders (1992), em que as vítimas ocupam o lugar central, e The Politics of Memory (1996), uma autobiografia intelectual. Gostava de se definir como "profundamente conservador", ateu e de hábitos "tipicamente pequeno-burgueses".
Nos arquivos
Nascido em Viena em 1926, Raul Hilberg assistiu na infância à propagação da peste nazi. Em 1938, depois da anexação da Áustria pela Alemanha, viu o pai ser preso. Mas logo vem um golpe de sorte: como ele tinha sido combatente na I Guerra Mundial, um oficial alemão decide deixar partir a família. Os Hilberg vão para Cuba e instalam-se depois em Nova Iorque. Muitos parentes serão exterminados. Raul começa por estudar Química. Aos 18 anos, interrompe os estudos e alista-se no exército americano, fazendo os últimos meses de guerra na Alemanha. Em Munique, a sua unidade interroga altos dignitários nazis e procura arquivos, para preparar o Julgamento de Nuremberga. Raul descobre seis caixotes com a biblioteca pessoal de Hitler e, sobretudo, tem acesso a pastas abandonadas pelos nazis depois da libertação do campo de Dachau. Estava decidida a sua vida. Regressado à América, troca a química pela ciência política. Em 1948, decide consagrar a sua vida ao estudo da destruição dos judeus, que escolhe como tema de tese de doutoramento em 1952. É influenciado pelas ideias do seu professor Franz Neumann (1900-54), exilado alemão que publicara um estudo sobre o funcionamento "caótico" da burocracia nacional-socialista (Behemoth). Newman procura dissuadi-lo e diz: "É o seu funeral" académico. Hilberg entra no War Document Project, o que lhe dá acesso aos arquivos alemães apreendidos pelos americanos. Começa uma busca exaustiva, a consulta e cotejo de dezenas de milhares de documentos, a sua decifração, as sucessivas reinterpretações. Depressa aprende que as mais anódinas fontes são minas de informação. O extermínio dos judeus atravessa toda a administração e toda a sociedade. Só para Auschwitz, trabalharam 200 empresas. No fim da vida reivindicou o estatuto de "homem vivo que mais documentos leu". Reescreverá duas vezes A Destruição, em 1985 e 2003, esta graças à abertura dos arquivos do antigo bloco soviético. Os três volumes da versão final lêem-se de um fôlego. São uma narrativa, um inquérito, uma tese, estruturados e sistematizados com rigor inapelável e numa escrita que - diz - procura deliberadamente "uma frieza neutra, mecânica, objectiva". Explica o seu editor francês, Eric Vigne, da Gallimard: "É uma escrita branca, sem pathos, apenas a violência dos factos. É uma das obras que melhor expõe a violência da Shoah. A violência nasce do facto deste acontecimento totalmente irracional decorrer de um processo altamente racionalizado."
De Arendt a Israel
Hilberg defendeu a tese em 1955, com grande aplauso, mas, como Neumann o avisara, o assunto estava fora de moda. Nuremberga julgara os nazis. Aos israelitas interessavam os actos de resistência e heroísmo. Começava a Guerra Fria. Hannah Arendt teorizava o totalitarismo, conceito de que Neumann e Hilberg não partilhavam. Demorou a arranjar lugar numa universidade, a de Vermont, e viu o livro ser recusado pelas editoras universitárias, uma delas a conselho de Hannah Arendt, que o qualificou de "inútil", mero "relatório", desprezível aos olhos da filósofa política. Mas quando, em 1963, foi atacada pelas suas reportagens sobre o julgamento de Eichmann (reunidas em Eichmann em Jerusalém), acusada de responsabilizar os judeus por não terem resistido ao Holocausto e de desculpar implicitamente os carrascos, a quem recorreu Arendt? Ao livro de Hilberg. Ele fora entretanto publicado, quase clandestinamente, em 1961, por uma pequena editora de Chicago, graças a um mecenas - sobrevivente do Holocausto. A "sentença" de Arendt, que nunca fez mea culpa, foi corroborada pelo guardião israelita da memória, o memorial de Yad Vashem: acusou o livro de se basear "quase exclusivamente na autoridade de fontes alemãs"; e emitiu reservas "sobre a evolução da resistência judaica (activa e passiva) durante a ocupação nazi". Só agora o livro foi traduzido em Israel. Hilberg chega a várias conclusões. O anti-semitismo desempenhou um grande papel mas não explica a destruição sistemática, que não é uma "explosão de ódio", mas "uma determinação fria, um processo burocrático gerido com método e inventividade", diz numa entrevista. No entanto, não encontra um plano pré-determinado de aniquilação. É uma ofensiva que evolui, de salto em salto, até à "solução final". Mas tudo se anuncia muito cedo: "Nos primeiros dias de 1933, quando o primeiro funcionário redigiu a primeira definição de "não-ariano" numa norma administrativa, a sorte do mundo judaico europeu está selada." Por fim, a resistência foi marginal. As comunidades judaicas, enraizadas há dois milénios na Europa, adoptaram uma "estratégia de sobrevivência", resignaram-se e colaboraram para limitar as perdas. O genocídio era uma ideia inimaginável.
A História repete-se
No último capítulo de A Destruição, intitulado "As implicações", Hilberg fala dos problemas éticos, da criação da figura do crime de genocídio e do destino da palavra de ordem dos judeus: "Nunca mais." Na terceira edição, prolonga a reflexão até aos nossos dias, culminando na análise do genocídio dos tutsis no Ruanda, "à vista de todo o mundo". Ninguém respondeu ao desafio. "Os juristas do Departamento de Estado, nos Estados Unidos, recusaram mesmo o emprego do termo genocídio a propósito do Ruanda, com medo que isso os obrigasse a fazer qualquer coisa." O Conselho de Segurança da ONU adoptou, a 17 de Maio de 1994, uma "resolução unânime" condenando o "massacre de civis". A última frase do livro é portanto esta: "A História tinha-se repetido".
SAN FRANCISCO (Reuters) - Raul Hilberg, que dedicou mais de meio século ao estudo do Holocausto, morreu aos 81 anos, informou a Universidade de Vermont (EUA) na terça-feira. Judeu nascido em Viena, Hilberg ficou conhecido especialmente graças ao gigantesco estudo "A Destruição dos Judeus Europeus", que descrevia como a Alemanha nazi construiu e operou a máquina de matar mais letal da história, que assassinou 6 milhões de judeus.
Quando começou sua pesquisa, logo após a Segunda Guerra Mundial, Hilberg era um dos poucos a se dedicarem com tanta paixão a esse tema. "Na comunidade judaica, o tópico era quase um tabu também", disse Hilberg em 2004 à Reuters. "Fui adiante com meu trabalho a partir do final de 1948, quase, eu diria, como um protesto contra o silêncio."
A primeira versão do livro dele saiu em 1961, abordando em detalhes desde as raízes do anti-semitismo na Alemanha até as minúcias burocráticas do sistema de campos de concentração.
Ele prosseguiu suas pesquisas nos vastos arquivos do Holocausto, mergulhando no que ele descreveu como "um gigantesco quebra-cabeças" que acabaria levando à ampliadíssima terceira edição, em 2003.
Hilberg, que não era fumante, morreu no sábado de cancro de pulmão em Williston, Vermont.
** (este blogue continua de férias até ao final do mês de Agosto)