O historiador israelita Saul Friedländer revisitou a história da destruição da sua própria família pelos nazis e recordou, ao receber o Prémio da Paz dos Livreiros Alemães, que os gritos das vítimas do Holocausto continuam a ecoar nas consciências humanas.
O discurso foi pronunciado em alemão, a língua materna de Friedländer, num tom firme e sereno apesar da emoção e comoveu o auditório. «Há sessenta anos que escutaram estas vozes e outras semelhantes», afirmou o historiador depois de ler um trecho da última carta do seu pai, escrita no comboio que o conduziu para o campo de Auschwitz.
«No entanto, continuam a tocar-nos e a comover com uma extraordinária força e imediatez que supera as fronteiras da comunidade judaica e que abalaram gerações inteiras da sociedade ocidental», continuou.
Friedländer recebeu na célebre Paulskirche o Prémio da Paz pelos seus trabalhos sobre o Holocausto nos quais – como assinalou o filósofo Wolfgang Frühwald ao apresentar Friedländer – logrou devolver às vítimas do Holocausto um lugar na memória histórica, para além dos seus nomes.
Frühwald, no discurso que antecedeu Friedländer, recordou que os nazis não só quiseram exterminar fisicamente os judeus mas também apagar a sua memória, algo que Friedländer combate na sua obra, dando voz às vítimas.
O galardoado admitiu que chegava à Paulskirche com vários sentimentos, sabendo que o Prémio era atribuído em grande parte pela temática do seu trabalho, o que era algo muito pessoal como deixou patente no discurso onde mencionou os documentos a partir dos quais pode reconstruir o caminho da a morte percorrido pelos seus pais.
Jan e Elli Friedländer fugiram de Praga em 1939 com o seu filho Pavel que posteriormente mudou o seu nome para Saul, quando tinha 6 anos e se mudaram para França. Em 1942 a família Friedländer foi para a Suiça fugindo dos alemães que tinham ocupado a França e perseguiam os judeus, apoiados pelo regime de Vichy. Pavel ficou ao cuidado de uma vizinha que o escondeu num internato católico onde sobreviveu sob a identidade de Paul-Henri Ferland.
Friedländer, no seu discurso, leu a transcrição das declarações do seu pai à polícia quando foi detido e fragmentos de cartas de diversos familiares, como a sua tia Marta, que permaneceu em Praga onde foi assassinada pelos nazis.
Por fim, citou a última missiva do seu pai, escrita no comboio e atirada pela janela para ser recolhida por uns mensageiros. Estava dirigida à mulher que ficou a tomar conta do seu filho:
«Pela última vez, receba o nosso agradecimento infinito e os nossos melhores desejos para si e sua família. Não abandone o menino e que Deus a recompense» dizia a carta que ia acompanhado de 6000 francos e um álbum de selos.
Friedländer considera que este tipo de cartas continua a ser a nossa consciência porque, por um lado, afecta-nos o facto de saber que as vítimas não tinham nenhuma ideia do destino que as esperava. Por outro, documentam um facto, o Holocausto, que segundo Friedländer continua a ser a nossa prova de fé na solidariedade humana.
No comboio que levou para Auschwitz os seus pais viajavam cerca de 1000 judeus, entre eles 200 crianças. Nenhum sobreviveu e muitos deles foram levados directamente para as câmaras de gás.
O pai de Friedländer, segundo os documentos encontrados pelo filho, foi assassinado pelos nazis em 1942. O rasto da sua mãe perde-se em 1944.
* Aliterações, metáforas e oxímoros
* ANED - Associazione nazionale ex deportati politici nei campi nazisti
* Fundación Memoria del Holocausto
* Fundação Aristides de Sousa Mendes
* Liga de Amizade Israel-Portugal
* Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes
* The International Raoul Wallenberg Foundation