Terça-feira, 10 de Abril de 2007

Shoah, de Claude Lanzmann (1985), 9h 30min


Trailer, 4m 7s

«É impossível contar. Ninguém pode representar o que se passou aqui. Impossível. Ninguém pode compreender isto. Eu mesmo hoje… não acredito que estou aqui. Não, não posso acreditar». Simon Srebnik regressou a Chelmno, na Polónia, o primeiro local onde os alemães aplicaram a «solução final». A partir destas imagens e palavras que abrem Shoah, o espectador é tomado por um horror trágico que não o abandonará ao longo das nove horas e meia que dura o filme. É um homem regressado do nada que se encontra perante a equipa de filmagem.
«Pela primeira vez vivemos [a dolorosa experiência] na nossa cabeça, no nosso coração, na carne. Torna-se nossa», escreve Simone de Beauvoir quando sai o filme em 1985. Obra singular, Shoah transporta o mundo dos vivos ao encontro dos seres que vivem na morte. Sobreviventes, carrascos, testemunhas activas ou não, todos são marcados por aquilo que continua um enigma. Porque é que os homens decretaram que uma categoria de humanos deveria desaparecer da face da terra? «Há momentos em que compreender se torna numa loucura», responde o realizador que prefere dizer e fazer dizer os factos: os meios de transporte dos deportados, a topografia dos campos, a disposição dos corpos, a organização do tempo.
Entre 1976 e 1981, trezentas e cinquenta horas de filme foram rodadas. Durante dez campanhas de filmagem, o escritor e cineasta Claude Lanzmann seguiu metodicamente os traços desta infâmia, analisando factos, identificando os locais e escutando as vítimas, os criminosos e as testemunhas. Sufocando a sua dor, o investigador coloca questões que incomodam os interlocutores, o próprio e os espectadores.
O visionamento deste filme é uma prova, uma experiência que, mesmo vivida indirectamente, deixa traços profundos. Em França, assim que saiu das salas, foi programado em 1987 pela TF1, na altura em que terminou o processo Barbie, em 1993 na France2 e, posteriormente, no canal Arte, no início de 1998. Shoah foi difundido em versões mais ou menos curtas nas televisões e cinemas de todo o mundo, provocando grandes debates, nomeadamente na Polónia.
Shoah é excepcional e radical na representação do horror sofrido pelos deportados na sua chegada aos campos de extermínio. Recusando qualquer imagem da época dos factos, o filme sucede como obra de referência a Nuit et Brouillard de Alain Resnais (1955), que misturava imagens de arquivo com os planos rodados pelo cineasta, acompanhados de um texto do poeta Jean Cayrol e de um música dramatizante.
A singularidade de Shoah continua intacta. Não se trata de um trabalho de jornalista ou historiador, mas de uma criação artística, de uma tragédia alucinatória, quer naquilo que transmite como na forma de o fazer. Claude Lanzmann criou uma obra de vida contra a obra da morte
Michel Doussot, jornalista
Télescope, n° 183, 31 Janeiro 1998
publicado por MJ às 22:54
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