Sexta-feira, 13 de Abril de 2007

A Sublevação do Gueto de Varsóvia

O Gueto de Varsóvia foi estabelecido formalmente em 2 de Outubro de 1940. Seis semanas mais tarde, em 15 de Novembro, foi cercado por muros, como se vê nesta foto de 1941. No gueto, os direitos dos judeus eram limitados, as suas condições de vida eram deploráveis e estavam restritos a uma pequena área, facilitando a deportação para os campos de extermínio.


Durante a Segunda Guerra Mundial, num dos períodos mais sanguinários da história da Humanidade, a perseguição aos judeus assumia proporções inéditas nos países ocupados pela Alemanha.
Fiel ao programa de eliminação dos judeus, traçado no livro Mein Kampf (A Minha Luta), Hitler estava determinado a atingir os seus objectivos e a realizar a sua obra. Grande parte dos judeus que tinham sido deportados da Alemanha e da Áustria já haviam morrido nos campos de concentração, enquanto milhares de outros estavam a caminho do mesmo trágico fim.
No entanto, o destino final das vítimas ainda era ignorado pela maioria. Apenas o Vaticano, em função da presença dos representantes ao redor dos campos da morte nazis, tinha informações precisas sobre o que estava acontecendo aos judeus. Porém, apesar de receber constantemente relatórios sobre os factos, o papa Pio XII – então líder supremo da Igreja Católica – permaneceu calado. Nada, então, podia deter o monstruoso plano de extermínio de Hitler, face ao silêncio daquela que era a única potência moral que detinha o poder e os meios para modificar a grande indiferença – ou mesmo conivência –dos habitantes das povoações de onde os judeus eram deportados.
[...] A parte que tocou ao povo judeu disperso na Diáspora (Dispersão) foi calcada na perseverança e resignação e na esperança de um dia ver, finalmente, a justiça triunfar sobre o ódio – um ódio que fora disseminado pela Europa, durante 18 séculos, através de ensinamentos cristãos baseados em calúnias e desprezo. Mas as raízes desse mal já eram tão profundas que o povo judeu, mais uma vez, teve que vivenciar as trágicas consequências do preconceito.
Quando o governo alemão se instalou na Polónia, em Outubro de 1939, uma de suas primeiras providências foi transferir e aprisionar, no exíguo espaço do antigo bairro judeu, os 400 mil judeus de Varsóvia. Em condições normais, esse bairro tinha a capacidade para abrigar apenas 60 mil pessoas. Um muro foi rapidamente levantado para isolar completamente o bairro, que tornou-se um "gueto" no sentido mais exacto e nefasto da palavra. Aos judeus de Varsóvia presos no gueto somaram-se rapidamente 100 mil outros, evacuados dos povoados vizinhos. Toda essa população vivia em condições sub-humanas. Em cada cómodo disponível viviam em média 13 pessoas, enquanto grande parte da população não tinha sequer um abrigo.
A resistência judaica começou a formar-se no início de 1940, mas apenas no dia 2 de Dezembro de 1942 foi organizado um grupo de combate, reunindo todas as tendências políticas possíveis.
No dia 9 de janeiro de 1943, Himmler, chefe supremo da Gestapo, chegou, de surpresa, a Varsóvia, indo até o gueto. Ali se decidiu a ordem de destruí-lo e exterminar todos os seus habitantes. Assim, no dia 18 de janeiro de 1943, vários batalhões da SS marcharam rumo ao gueto, mas, pela primeira vez, os alemães foram recebidos ao som de granadas e metralhadoras. Após sofrerem muitas baixas, as tropas da SS foram obrigadas a retirar.
Os líderes da sublevação, encabeçados por Anilevitch, então com 24 anos, fizeram um apelo ao mundo exterior. Palavras carregadas de emoção foram transmitidas por uma rádio clandestina: "Declaramos guerra à Alemanha, a declaração de guerra mais desesperada que já foi feita. Organizamos a defesa do gueto, não para que o gueto possa defender-se, mas para que o mundo veja a nossa luta desesperada como uma advertência e uma crítica".
Depois de uma trégua de três meses, em 19 de Abril de 1943, forças alemãs e colaboracionistas polacos, ucranianos e lituanos cercaram o gueto. Por duas vezes, os atacantes foram rechaçados, com inesperada força, pelas armas dos defensores do gueto. Após sofrer perdas consideráveis, os atacantes acabaram fugindo de forma desorganizada. Para os defensores do gueto, o desespero era a sua força e no telhado mais alto tremulava a bandeira azul e branca de Sião.
Diante de tamanha resistência, o comandante alemão Jürgen Stroop recebeu ordem pessoal de Hitler para usar de todos os meios a fim de destruir o gueto: artilharia, blindados, lança-chamas, gás asfixiante. Era uma luta corpo a corpo nas ruas, nas casas, sala por sala, sobre os telhados, nas caves, nos esgotos. Finalmente, no ataque final, a aviação alemã teve que intervir para acabar com os últimos focos de resistência.
Em 8 de Maio de 1943, Mordechai Anilevitch, a esposa e seus companheiros tombaram, armas em punho, após recusarem render-se, mesmo com a promessa de terem as vidas poupadas.
Em 16 de Maio, o general Stroop enviou um telegrama a Hitler: "O bairro judeu de Varsóvia já não existe". O general do "Herrenvolk" (Povo de Senhores, tão exaltado pelos nazis) estava orgulhoso de seu feito. Para festejar, mandou dinamitar a grande sinagoga de Varsóvia, "comemorando", assim, a fase final da exterminação daquela que havia sido uma das grandes comunidades judaicas da Europa.
Ao mesmo tempo, Schmuel Zigemboim, único judeu membro do Conselho polaco, exilado em Londres, suicidou-se para protestar contra aquilo que chamou de "conspiração do silêncio". Numa nota enviada à imprensa, dizia: "Ao assistir sem reacção alguma à matança de milhões de seres inocentes e indefesos, os países livres do mundo ocidental tornaram-se cúmplices dos assassinos".
Essa acusação era dirigida à resistência polaca, que ignorou os apelos feitos pelos moradores do gueto. Excepto alguns patriotas – que o Yad Vashem (Instituto em Memória do Holocausto, em Jerusalém) mais tarde homenagearia – os polacos, na sua grande maioria, preferiram deixar o "problema judeu" por conta dos alemães. Quando algumas centenas de sobreviventes do gueto puderam juntar-se à resistência, em sua maioria polaca, muitos foram assassinados de forma vil pelos fascistas polacos que colaboravam com os nazis. Mais tarde, quando eles mesmos pediram ajuda aos russos, estes tiveram a mesma atitude: fingiram não ouvir, permitindo aos alemães massacrar sem piedade 150 mil polacos.
Mas as acusações mais amargas foram feitas aos dirigentes do mundo livre. Todos podiam ter feito muito para impedir ou pelo menos retardar o genocídio mais monstruoso da História. Mas nada fizeram. Só viram a terrível realidade da barbárie nazi depois de descobertos os campos da morte, os fornos crematórios ainda fumegantes e os restos humanos empilhados.
Quando o monstro nazi foi abatido, o mundo, estarrecido, gritou: "Nunca mais!" As nações livres juraram ser, no futuro, vigilantes quanto a qualquer nova tentativa de crimes contra a humanidade. Mas, infelizmente, por várias vezes, esse juramento não foi cumprido e eles foram e são cometidos até os dias de hoje.

Extraído de www.morasha.com
publicado por MJ às 12:44
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Terça-feira, 10 de Abril de 2007

«A Esperança»

Carlos Miguel Fernandes, Varsóvia (Cemitério Judeu), Outubro de 2005

«Em Setembro de 2005 iniciei na Polónia, país que nunca havia visitado, a periódica viagem pela Europa Central. Em Varsóvia caminhei pela zona do gueto, hoje enterrado pela História e pela reconstrução da cidade, e entrei no cemitério judeu, invadido nesse dia por uma imensa excursão de jovens israelitas. O chão estava salpicado de pequenas bandeiras de Israel. Bandeiras estrangeiras em solo polaco! A visão incomodou-me um pouco na altura, mas nos meses seguintes compreendi melhor a situação e aceitei-a definitivamente. Na verdade, nos meses seguintes compreendi muita coisa. Andava há anos a chafurdar na Europa e na História, mas foi na Polónia que comecei a vislumbrar algo por detrás da poeira levantada pelo agitado século XX. E foi nesse dia, no cemitério, que recebi um impulso definitivo que me empurraria de vez para lá de um beco que parecia não ter saída. Junto ao que mais tarde descobri ser a vala comum das vítimas do gueto, juntara-se um dos muitos grupos em que se haviam dividido os jovens da excursão. Um adulto parecia explicar-lhes o significado do espaço. Quando me afastei já cantavam o HaTikva, o hino israelita, num sussurro dorido e envolvente. Deixei o cemitério com a melodia a ecoar nos ouvidos e a romper-me a alma com delicadeza. Soube nessa altura que encontrara o punctum da viagem. Três semanas depois regressei e fotografei o chão sagrado. A imagem viria a ser o alicerce central no qual se sustentou
MittelEur/opa, um trabalho que não teria passado de uma caricatura sem a viagem à Polónia.
Lembrei-me de tudo isto a propósito do HaTikva cantado pelos sobreviventes de Bergen-Belsen, que encontrei ontem no A Arte da Fuga e que me fez regressar finalmente à Europa, depois de um período de latência em que a cabeça teimou em ficar do outro lado do mundo. Regressei à Europa via Israel. Haverá outra forma de o fazer?
Há alguns anos comprei em Novi Sad o disco Na Kapijama tjovim, o, Jerusalime/At Thy Gates, o, Jerusalem, do grupo Shira Utfila, originário de Belgrado e guardião da tradição musical dos judeus sefarditas. O trabalho termina com o HaTikva cantado em hebreu, ladino e judeu-árabe. Dada a origem da banda e do disco, os títulos dos temas têm tradução em servo-croata, e Nada é a perturbante tradução de HaTikva, a Esperança. Nada! É a isso que muitos querem reduzir Israel e a esperança. A nada. A cinzas. »
Carlos Miguel Fernandes, 06 de Abril de 2007, no No Mundo
publicado por MJ às 16:12
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